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É necessário ampliar a transparência das empresas

O Brasil já tem se beneficiado dos avanços que promoveu na governança corporativa

Autor: Maria Helena SantanaFonte: Valor EconômicoTags: empresas

Após um processo de consulta pública que durou 11 meses, entrou em vigor em 1º de janeiro de 2010 a Instrução nº 480, que reformulou em profundidade o registro na CVM e a prestação de informações pelas companhias abertas. O principal objetivo foi melhorar a qualidade e o volume de informações disponíveis aos investidores sobre as companhias, além de adotar um padrão de divulgação contínua semelhante ao que normalmente já é apresentado aos potenciais investidores durante uma oferta. Os benefícios de manter o mercado bem informado são claros e se refletem na melhor formação dos preços dos ativos negociados, revertendo para as próprias companhias como redução de seu custo de capital. 

Parte substancial das informações a serem prestadas pelas companhias está reunida no Formulário de Referência, documento que, somado às demonstrações financeiras, é capaz de oferecer um excelente panorama do emissor. Um dos capítulos do formulário é dedicado a informar as políticas e os montantes de remuneração dos mais altos executivos das companhias. 

Alguns profissionais de companhias abertas decidiram discutir na Justiça a legalidade do item que exige a divulgação do menor e do maior valor individual pago a um integrante do conselho de administração e da diretoria executiva, além do valor médio da remuneração em cada órgão. 

Um dos questionamentos é de que a regra da CVM seria inconstitucional, por agredir a privacidade dos administradores. Entendo que essa crítica parte da falsa premissa de que o direito à privacidade é absoluto e superior a qualquer outro interesse ou valor jurídico. Hoje se reconhece que os direitos fundamentais não são direitos absolutos, devendo ceder passo diante de outros interesses, considerados igualmente importantes à luz da Constituição. Esta afirmação não é novidade e o Supremo Tribunal Federal já ressaltou a relatividade dos direitos individuais. 

Em particular, é evidente a relatividade do direito à privacidade de administradores de companhias abertas, em razão das características especiais dessas companhias. Afinal, os seus executivos devem saber que esse tipo de pessoa jurídica, pelo fato de poder se valer da poupança popular para o financiamento de suas atividades, está sujeita a regime regulatório baseado no princípio da transparência. Não é à toa que são chamadas, nos países em que esse conceito se consolidou, de public companies. 

Tanto é assim que países como França, Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Canadá e Reino Unido exigem que informações quantitativas sobre remuneração sejam prestadas individualmente para os principais executivos. Isso, aliás, expõe bem mais os administradores do que a regra editada pela CVM, que exige apenas a divulgação de informações agrupadas por órgão e sem a identificação dos beneficiários. 

Além disso, é fácil reconhecer que a exigência de divulgação da maior remuneração, da menor e da média por órgão de administração em nada altera a situação, por exemplo, de um presidente de companhia aberta, que normalmente já tem uma grande exposição pública por conta da posição que ocupa no meio empresarial. 

As informações sobre remuneração exigidas pela Instrução serão úteis para os investidores e a CVM avaliarem ao menos dois pontos ainda pouco conhecidos do público. O primeiro é o regime de estímulos a que estão sujeitos os executivos. É sobretudo por meio da remuneração que a companhia os incentiva a privilegiarem objetivos de curto, médio ou longo prazo e a perseguirem as metas estabelecidas pela organização. 

A depender da forma como a remuneração está estruturada, o administrador terá incentivos para buscar os resultados eleitos como prioritários. Por outro lado, como se observou durante crise financeira internacional, sistemas de remuneração construídos de forma equivocada podem estimular que os gestores das empresas assumam riscos excessivos em prejuízo dos acionistas. 

O segundo ponto diz respeito à distribuição da remuneração entre integrantes da alta administração da companhia. Pode ocorrer de o custo total da administração de um emissor ser compatível com a média do mercado, mas existirem ali indivíduos que ganham muito acima da média e outros cuja remuneração é substancialmente inferior à de seus pares. 

Conhecer essa realidade permitirá aos investidores identificar características da governança da companhia que não seriam percebidas de outro modo, como a eventual concentração de poder indicada na informação sobre o maior e o menor valor pagos dentro da mesma diretoria. Essa informação, ainda, complementa as demais que descrevem a política de remuneração, permitindo inclusive que se verifique a consistência em sua implementação. Pode-se afirmar, portanto, que a remuneração é um elemento essencial a qualquer sistema de governança. 

Nós da CVM avaliamos que, procurando cumprir com nossa responsabilidade de ponderar os diversos interesses em jogo, adotamos uma solução intermediária, que representou para os investidores avanço significativo em termos de transparência e, para os executivos, um nível de exposição pública compatível com aquela que um administrador de companhia aberta, que capta recursos da poupança pública, deve razoavelmente esperar. 

Felizmente, os argumentos contrários à regra já podem começar a ser confrontados com os fatos. Inúmeras companhias abertas brasileiras vêm, desde o início deste ano, divulgando os seus sistemas remuneratórios na forma exigida pela CVM e têm se destacado exatamente por isso. Os primeiros benefícios da divulgação de informações sobre remuneração já podem ser percebidos, com a maior discussão por analistas de investimentos e na imprensa sobre características específicas dos programas implementados por algumas empresas, seu contexto, suas qualidades e riscos potenciais que trazem. É necessário que esse processo avance, inclusive contando com um esforço das companhias para aperfeiçoar as informações prestadas, e se jogue finalmente luz sobre um dos pontos ainda pouco transparentes relativos à governança das companhias abertas brasileiras. 

Maria Helena Santana é presidente da Comissão de Valores Mobiliários.

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